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ESTAÇÃO COMANDANTE FERRAZ
Local: Península Keller, Antártica
Data do projeto: 2013
Autores do Projeto: Paula Zemel, Nuno Janeiro, Marcelo Pontes, Lívia Mondini, Flavia Schikman, Fernanda Panetta, Enrico Arrigoni, Cristiano Zan, Carla Espósito e Camila Barretto
Área: 5.200 m²

O Projeto para a nova Estação Antártica Comandante Ferraz busca reafirmar o Brasil como agente mundial de pesquisa e domínio sobre o continente. Este projeto pressupõe um conhecimento do terreno e da localização um pouco mais amplo do que simplesmente a definição de um sítio, de um espaço no terreno. Sendo o continente antártico uma das regiões mais inóspitas e mais preservadas do planeta, cuidados pra não interferir neste ambiente para que a pesquisa e o conhecimento sobre essa área não sejam alterados foram levados em conta.
O desafio trata-se de construir um "abrigo para as pessoas" na Antártica, que em muitos aspectos assemelha-se a construir uma base em outro planeta, quase uma estação espacial. O que queremos fazer é justamente um partido de projeto que demarque uma intenção brasileira nesse continente que consideramos seja pesquisá-lo e ocupá-lo, mas não interferir nem prejudicar o ambiente. Para isso, pensamos em um formato de construção que tivesse poucos pontos de contato físico com esse continente ao contrario de, de fato, construir-se sobre ele.
Este projeto deve ser analisado através de 3 aspectos: físico, operacional e comportamental. Esses 3 aspectos são sobrepostos e foram considerados conjuntamente para as definições do partido do projeto:
(i) o aspecto físico, onde consideramos a localização e a construção em si, os materiais utilizados, sua durabilidade e manutenção;
(ii) o aspecto operacional, onde entendemos que esta estação deve ser de fácil uso, não pode demandar qualquer tipo de operação complicada e custosa e deve respeitar o conceito do "simples de viver"; e finalmente e não menos importante
(iii) o aspecto comportamental, uma vez que as pessoas que ali habitam devem se sentir bem, aconchegadas e confortáveis, para minimizar os efeitos muitas vezes nocivos de um meio ambiente tão inóspito que pode se tornar às vezes até agressivo, mas que deve ser muito preservado.
Todas estas variáveis acabam modificando de alguma forma o sentido da palavra "ocupacão", porque definitivamente acreditamos que ela deve ser invisível, silenciosa e desmaterializada. As pessoas que estarão presentes neste local deverão ter a possibilidade de interferir o mínimo possível na natureza do espaço e do meio ambiente.

O “LEVAR PRONTO”
Podemos afirmar que comparativamente aos outros países, nosso país detém uma localização privilegiada na Península de Keller. A possibilidade de encontrar um clima sensivelmente mais ameno do que aquele encontrado nas outras estações internacionais traz possibilidades arquitetônicas diversas e únicas para sua construção. Este projeto, neste sentido, pode fazer com que o Brasil seja um grande pioneiro e reinvente o modelo de construção de galpões envelopados das bases de pesquisa até hoje existentes no continente Antártico.
As demais estações na Antártica localizadas em ambientes mais frios têm a necessidade de suas construções serem feitas em partes. O transporte e a ocupação não podem ser feitos de uma só vez, o que obriga-os a respeitar uma construção em módulos. Na construção em módulos criam-se containers, caixas/ espaços para depois repetí-los criando containers padrão. Uma vez construídos, nestes containers podem ser implementados diferentes programas, como laboratórios, dormitórios, ou salas de estar. Em módulos menores é muito mais fácil transportar essas caixas e plugá-las umas às outras no continente.
No entanto, a construção de uma estação dessas leva tempo. Pode ser feita somente nos meses de verão, uma janela de apenas 90 dias, onde o transporte destes módulos até a localização determinada é possível. Sabendo-se disso, concluímos que o desafio de construir uma base dessas se assemelha a uma exploração espacial. O ambiente em questão é praticamente tão inóspito quanto se construir fora do planeta, ou quase uma estação geoestacionária fora da atmosfera do planeta ou uma estação na Lua ou em Marte. Qualquer raciocínio de construção de uma estação desse tipo pressupõe construí-la e testá-la em condições adequadas para o trabalho humano para então transportá-la para o destino final pronta.
Partindo-se de todas essas premissas, repetimos aqui mais uma vez: ao contrário dos outros países o Brasil tem o privilégio de estar na Península de Keller e isto deve ser considerado como uma grande oportunidade. A Estação brasileira pode ser construída como um todo e sua implementação, essa sim, feita de uma só vez, na janela dos 3 meses de verão. Sabendo disso, pudemos sugerir uma construção diferente, de menor impacto ambiental, custo e dificuldades, onde os testes são feitos próximos a grandes centros urbanos onde a possibilidade de enfrentar qualquer dificuldade é infinitamente menor.
Respeitando o raciocínio modular de construção nos permitiu imaginar a Estação como um grande módulo único a ser implantado no continente Antártico de uma só vez. Entendemos que a modulação da Estação se dá no sistema construtivo, uma vez que as “peças “pra se construir a estação como um grande elemento único é que são todas replicáveis, modulares, e de fácil reprodução e eventual manutenção e recuperação.
Através desse raciocínio explicamos o que pretendemos fazer: construir, testar, fazer todos os ajustes necessários e uma vez concluídos então transportar para o local definitivo. Trata-se de uma grande mudança de paradigma, de fato um raciocínio novo e bastante diverso, porém muito planejado, estudado e adequado à situação, o que vamos demostrar a seguir.
O Brasil detém a maior tecnologia para a produção de plataformas de exploração em alto mar. Assim não é difícil de se imaginar que o Brasil construa sua Estação como uma plataforma flutuante. Não queremos dizer que a Estação deva flutuar e esteja localizada no mar, mas sim que ela possa ser construída num estaleiro, em qualquer parte do Brasil, no Rio de Janeiro por exemplo, onde as condições climáticas são amenas, a mão de obra assim como os materiais mais acessíveis, o que permitem uma maior facilidade para ser testada e aprovada.
Sendo construída em um ambiente mais seguro em todos os sentidos, uma vez pronta a Estação é transportada durante o verão e ancorada no seu local de implantação na Antártica. Uma vez ancorada a Estação está pronta. Pensando em sua construção em território brasileiro, a nova Estação pode ser implantada de uma só vez na janela de três meses de verão no Continente Antártico. Não precisará ser construída em partes durante somente três meses a cada ano. Com isso, diminui-se drasticamente o tempo e consequentemente os custos para sua construção, tornando o projeto mais interessante e viável financeiramente.
Ainda sob este prisma, acreditamos que devam ficar no continente Antártico as edificações que realmente devem ficar: antenas de transmissão, heliponto, os depósitos de biocombustível, coisas que o protocolo de segurança e de comunicação nos obrigam a deixar no terreno. Além disso, também as estações remotas muito pequenas comparadas à própria Estação, para se valer de toda a tubulação e cabeamento que interligam essas estações.
Esse raciocínio também é adequado quando se pensa em longevidade. Se pensarmos que 30 anos é a vida útil esperada pra essa Estação, daqui a 30 anos poderemos ter acesso a tecnologias totalmente diferentes. Através do sistema adotado para a construção desta Estação, ela poderá ser inteiramente desprendida da sua ancoragem e removida, e outra estação, totalmente nova e construída com novas tecnologias do futuro, maior ou menor de acordo com a necessidade, ancorada novamente em seu lugar substituindo-a. Isso sem precisar de uma reconstrução ou então mesmo uma demolição de parte dessa estrutura no continente antártico, impactando-o sensivelmente, o que não faz sentido dentro de nosso raciocínio e reprovamos por completo.
Nosso partido de projeto está totalmente de acordo com a ideia de construir no continente antártico preservando-o e permitindo uma maior recuperação da área que já foi devastada. Serão poucos pontos de contato, sendo o principal deles a ancoragem da Estação, que poderão ser removidos oportunamente quando houver a necessidade de serem substituídos por outros. Essa é a linha mestra de raciocínio para a implantação e construção. Qualquer outro desenho de encaixe, sobreposição ou interligação de caixas de forma a definir um shape é uma mera discussão de forma.
O importante é a modulação estar no sistema construtivo. A Estação inteira é um módulo que vai de uma vez e não pequenos módulos que vão em partes porque o “barquinho” só tem condições de levar pequenas partes em determinadas épocas do ano. O “barquinho” será utilizado somente para alimentar essa estação e transportará coisas que já são modulares por si mesmas: alimentos, objetos de pesquisa , equipamentos, etc. A Estação em si, uma vez pronta, estará pronta. Ela deverá ter, por exemplo, 5 anos de resistência e durabilidade sem manutenção e isto é algo que demanda muita tecnologia, um bom projeto e muitos testes, que certamente não são feitos durante os três meses de construção. Tudo é planejado antes para que as possibilidades de enfrentar problemas sejam minimizadas. Insistimos: ao nosso ver se assemelha muito a concepção e construção de uma estação espacial mesmo.
Acreditamos que através deste projeto o Brasil poderá demarcar território e mostrar tanto como se faz uma estação de pesquisa no continente Antártico quanto como se demarca o território antártico numa condição mais amena e mais agradável com menor interferência e impacto ambiental possíveis. Para nós essa é grande possibilidade do Brasil abrir uma janela pro mundo e uma nova porta de compreensão desse continente e de ocupação dele. Essa é a Estação do Brasil no Continente Antártico.

LOCALIZAÇÃO E FORMA:
O zoneamento feito pelo Conselho Internacional para o Continente Antártico determina que há possibilidade de implantação da Estação em duas áreas: uma de maior e outra de menor degradação.
No entanto nada nos impede de inverter este processo. Ao escolher o local e determinar que a implantação seja feita na área já degradada, a área de preservação e recuperação do continente antártico pode crescer. Adotando esta nova ótica, a lógica de determinar um espaço no terreno de tal forma a ter a menor interferência possível no ambiente utilizando somente poucos pontos de contato, nos faz chegar à conclusão de que a melhor solução é ter parte da edificação sobre o continente e parte sobre o próprio mar.
Existem várias razões para escolhermos que a Estação esteja localizada perto da água, mas não na água. A escolha de uma estação na água deixaria-a extremamente vulnerável ao choque de icebergs. Estes icebergs têm tamanho e forma capazes de destruir completamente qualquer tipo de edificação no primeiro choque.
Então, a lógica seria partir para a implantação no continente, sem perigo, mas não é o que pretendemos fazer. Mesmo que a Estação fosse construída no continente as fundações de qualquer maneira deveriam ser feitas na água.
A localização próxima a água traz uma série de vantagens quando sabemos que uma estação não consegue sobreviver de forma totalmente independente. A Estação recebe alimentos, materiais para pesquisa, pessoas, combustível, etc e tudo isso chega de barco, pela água. O acesso deve ser fácil e descomplicá-lo só traz benefícios: perto da água a descarga de todos estes materiais é infinitamente mais simples. Além disso, como o terreno escolhido está em um golfo, as águas são mais tranquilas, o ambiente é mais protegido das ondas e icebergs, e mais do que isso, a profundidade do mar na frente da area onde sera ancorada a Estação é ideal para que o navio que a transporte inteiramente pronta possa chegar e levantar o jack up.
Além da facilidade operacional, estar perto da água traz outras vantagens: é estar próximo do habitat perfeito para as amostras biológicas marinhas de pesquisa, amostra de água pode ser colhida diretamente, a água do mar pode ser utilizada para combater situações de emergência tais como incêndios.
Mas além da localização é necessário pensar na forma. Diferentemente de tudo que existe até hoje, desenhado através de linhas retas e compactas, consideramos um formato arredondado. O formato arredondado do perímetro externo escolhido para este projeto se justifica por uma questão aerodinâmica. Uma vez arredondada, tanto o corte quanto a planta da Estação são aerodinâmicos pro vento. Trata-se de pensar além da necessidade de determinar um corte para o vento passar. O vento no continente antártico, principalmente na região da Península de Keller que é montanhosa de um lado e tem o mar do outro lado, vem de qualquer direção e vai em qualquer sentido, com maior ou menor intensidade dependendo da época do ano. Quando o vento carrega a neve, o que acontece na maior parte do ano, pode cobrir totalmente a estação, prejudicando seu funcionamento. A definição de um desenho circular e a parte inferior e superior no corte e na seção serem aerodinâmicos facilitam o vento, justificando o desenho da circunferência.
Além da questão aerodinâmica, a forma circular é aquela que tem o maior aproveitamento de espaço com a menor superfície de contato. Sabendo disso, com a solução de forma circular podemos ter um ambiente bem aproveitado, mais aquecido e que demande menor energia seja ela qual for, para funcionar.
Então temos uma grande circunferência, totalmente construída no Brasil e transportada através de um navio jack up para a Antártica, que deverá ser ancorada em um ponto onde será possível preservar o ambiente diminuindo sensivelmente a degradação do continente antártico. Parece perfeita e pode integrar perfeitamente no ambiente. Principalmente se for inteiramente construída em madeira.
A escolha do material para construir uma estação em um ambiente tão particular é de grande importância. Levamos em conta diversos aspectos, desde os técnicos até os culturais para justificar esta escolha e concluímos que a Estação brasileira da Antártica deve ser construída em metal, duralumínio com revestimento em madeira por uma série de razões.
Madeira é um material muito tradicional na arquitetura brasileira, sustentável, biodegradável que é capaz de manter por mais tempo as características estruturais em casos de incêndio, permitindo uma evacuação. Além disso é um material que respira, regulando naturalmente a umidade dos ambientes, capaz de absorver som e calor. Além disso é um material durável que responde bem à grandes amplitudes térmicas.

ENERGIA:
Além da localização, forma e do material, nesta etapa de Estudo Preliminar buscamos apresentar os conceitos e soluções para obtenção e uso da energia na EACF, questão de extrema importância para a viabilidade financeira e operacional da edificação a ser construída.
O continente Antártico tem a particularidade de apresentar somente duas estações no ano, extremamente diferentes, sejam elas verão e inverno. Estas duas estações diferenciam-se nos aspectos climáticos e que influenciam diretamente a ocupação da base e principalmente uma grande mudança no ambiente da Península de Keller. Enquanto no inverno as aves migram e não temos mais a presença constante do pinguins e leões marinhos, no verão a paisagem muda completamente. Além da presença constante de todos esses animais e possibilidade de aumento da "população" da própria base pela facilidade de adaptação climática, a ocupação neste meio-ambiente muda sensivelmente.
Essas informações são fundamentais para um primeiro raciocínio de produção e uso de energia na EACF.
A produção e uso da energia da EACF partem do pensamento de um sistema que integra diferentes fontes geradoras. Estas fontes precisam ser interligadas e estruturadas de modo a usar as diferentes alternativas tais como combustão, sol, vento e pressão e as diferentes demandas, sejam elas iluminação, tomadas e demais equipamentos da Estação.
Pensamos num sistema que integre painéis solares, geradores eólicos, geradores à combustão, e painéis piso-elétricos. Todos eles deverão estar integrados em um único sistema gerencial que analise as diferentes demandas e acione determinada energia armazenada para seu uso. A idéia principal é fazer o uso de fontes geradoras de energia que não agridem o meio-ambiente e são renováveis, através do uso intenso dos painéis solares, geradores eólicos e painéis piso-elétricos.
Neste sistema, temos como principais co-geradoras de energia:
a) Geradores Eólicos: são fundamentais para a cogeração de energia da EACF. No inverno recomendamos que seu uso seja mais intenso devido ao aumento dos ventos e principalmente com a grande frequência de tempo nublado e ausência de sol, além da ausência das aves. Ressaltamos nossa grande preocupação com o uso dos geradores eólicos durante o verão, justamente para não afetar o eco sistema das aves presentes na área da estação. Nossa recomendação é de que seu uso seja minimizado para garantir o mínimo impacto da presença do homem nesta região tão preservada.
b) Painéis Solares: Os painéis solares serão uma fonte constante de energia, principalmente no Verão com a incidência do sol em uma quantidade de horas maior durante o dia e pela nossa recomendação de desligamento dos geradores eólicos com o objetivo de minimizar os riscos às aves que circundam a Estação nesta época.
c) Painéis Piso-elétricos: A energia piso-elétrica vem do movimento e pressão das "células" presentes nos diferentes painéis da Estação. Os painéis piso-elétricos devem estar presentes em todas as faixas de circulação de pessoas, nas portas e demais elementos que "vibram". Essa energia "cinética" é transformada diretamente em Corrente Direta (DC), e através de uma série de equipamentos eletrônicos, é armazenada e convertida em Corrente Alternada (AC), permitindo o seu uso. Equipamentos que podem se valer do uso da alta frequência da DC podem estar ligados diretamente à rede.
Não deve-se imaginar que isso se trata de uma "invenção" sem teste, ou sem embasamento prático. Já temos diversas empresas no mercado com "itens de prateleira", isto é, equipamentos e componentes prontos para o uso na construção civil. Uma estação que busca a excelência construtiva, uso de energia limpa e exemplo para o mundo, não pode abrir mão de nenhuma alternativa para obtenção de energia limpa. Partindo dos fatores externos, sol, vento até os fatores internos, movimentação das pessoas, o próprio "calor humano" e uso inteligente da energia armazenada. Pensando nessas 3 fontes de energia, toda a energia gerada deverá ser armazenada em baterias distribuídas ao longo das diferentes construções da Base.
Além das 3 fontes de energia citadas e explicadas acima, consideramos o conjunto de geradores à combustão que tem 2 objetivos principais:
a) suprir de energia a estação, uma vez que a ausência de sol, vento e movimento (de pessoas e da própria estrutura da base) não estão gerando a energia suficiente para o seu funcionamento;
b) suprir a estação em caso de pane ou emergência.
A ideia é usar um conjunto de geradores que usam em um primeiro momento o Bio-diesel mas que possam usar, com a evolução dos diferentes combustíveis e emissão cada vez menor de poluentes na atmosfera, os mais variados elementos como por exemplo: gás natural. No inverno temos uma situação de menor uso de energia devido a uma população ativa menor, enquanto no verão há um pico de pessoas. No verão todos os painéis solares e os módulos piso-elétricos estão em pleno funcionamento. Os geradores à combustão existirão como backup, como uma co-geração de todo o sistema.
Finalmente, apesar de poder ser considerado um partido de projeto radical, é fácil entender que tudo foi concebido respeitando uma lógica de ocupação do espaço e demarcação de território que visa preservar esse território no continente antártico em vez de marcá-lo e perfurá-lo. Trata-se de uma possibilidade de demarcar o território pela não ocupação, e sim pela presença sem afetar preservação da área.
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